Nova,

•setembro 20, 2010 • Deixe um comentário

[Cáh Morandi]

Vontade de me apaixonar, de ser vencida por um olhar,
de ser roubada por uma mão que me pega na cintura,
de ver alguém me descobrindo com ar de surpresa,
de perder o raciocínio para o pensamento em alguém,
de não enxergar distância entre os dois lados da cidade,
de me arrumar por algum motivo a mais que o trabalho,
de ter disposição para encontrar músicas novas,
de ler uma poesia e saber que seria possível vivê-la,
de encontrar alguma graça em passar pelo domingo,
vontade de ser encontrada em uma multidão de vazios,
vontade de que fosse agora e para sempre.
Preciso te achar desesperadamente
e é tão pouco e quase próximo…
o que nos separa são os encontros.


Por sorte,

•agosto 23, 2010 • 1 Comentário

Indecisa. Achei que tivesse virado um fantasma nas últimas semanas. Tinha medo de fechar os olhos e não te encontrar mais. Passei a noite em claro acendendo e apagando a luz do abajur, vendo a caneta se virar de um lado para o outro com simulada displicência. Sobre a escrivaninha, uma fila de rabiscos que dobravam os quarteirões, tentando decifrar um fio de voz que parecia vindo de uma cisterna abissal. Como é difícil calar a voz de dentro.  Mas não consigo me arrepender das decisões que tomei em relação ao amor. Elas me levaram até você. Às vezes fico tateando o escuro, à procura de palavras que se derramam pelos cantos da boca como uma nascente de cobre líquido. Não existem. Tenho medo de me calar e as palavras acabarem morrendo em meus lábios, esfarinhando-se em sopros de sombra inclinados.  Há paixões que honram quem as inspira. Quando voltar, a gente podia se ver no mar. Naquele tom azul celeste que você tanto gosta. Mergulho no passado, recordando-me do naufrágio de nossas vidas. Nado contra a maré, que me leva insistentemente para o lugar onde havíamos estado. Naquele mesmo mar de esperanças que refluem dia após dia, afastando-nos do ponto final. O coração é a única coisa que nos une. Cada batida é uma martelada surda que lança nos ares uma poeira reluzente de lapidação de esmeraldas. E para onde quer que eu vá o pó colorido das boas lembranças que conservo de nós dois, rebrilha. Vou indo, amor. Preciso terminar a sua estátua. Não quero acordar amanhã e pensar em você como se nunca tivesse existido. Vou imortalizá-lo em mim para que nada mais possa nos separar. Esta ausência é só um pesadelo amor, vou estar aqui quando você acordar. Tem dias, que meus olhos escurecem como se não tivessem fundo. Dói. Mas recobro a serenidade e descubro que  dor é a única certeza de que este amor ainda está vivo. E nós, só estamos aqui para possibilitar.

P.S.: Eu te amo, amor. Em agosto, te amarei ainda mais.

(Pipa – agentepodiasevernoar.blogspot.com)

À saber, Chico

•agosto 20, 2010 • Deixe um comentário

“Com o tempo aprendi que o ciúme é um sentimento para proclamar de peito aberto, no instante mesmo de sua origem. Porque ao nascer, ele é realmente um sentimento cortês, deve ser logo oferecido à mulher como uma rosa. Senão, no instante seguinte ele se fecha em repolho, e dentro dele todo o mal fermenta. O ciúme é então a espécie mais introvertida das invejas, e mordendo-se todo, põe nos outros a culpa de sua feiura.”

Leite Derramado.

Dona Clarice

•agosto 7, 2010 • Deixe um comentário

“Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completo quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doido. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.”

(Clarice Lispector)

A pequena morte

•julho 8, 2010 • Deixe um comentário

Diz Galeano,
Não nos provoca o riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu vôo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena Morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos e perdendo-nos faz por encontrar-nos e acabando conosco nos principia. Pequena Morte,dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce.

Trecho retirado do Livro dos Abraços, Editora L&PM Pocket, tradução de Eric Nepomuceno.

A verdade dos poetas.

•junho 15, 2010 • Deixe um comentário

Seres de sangues incoaguláveis, de feridas abertas e incuráveis, seres que precisam sentir em dobro para traduzir o que outros sentem, esses são os poetas. Poetas não nascem para ter, nascem para sentir falta.

(Dalton Menezes – Os poetas)

Pontos finais,

•junho 14, 2010 • Deixe um comentário

Ponto I

os pontos não me dizem nada. . . . . . . . . nem as virgulas,

porque não sabem a fronteira dos pensamentos.
ignoram a fluidez dos sentimentos.
não conhecem a liberdade
se poesia é alma, imaginai vós tamanha agressão a de um ponto na alma!

Ponto II

não gosto de frases com pontos finais

gosto de fins de frases que não tenham fim

com espaços

espaços para que sempre seja possível dizer algo mais

_

(Josué Mendonça – Euachoquefoiassim.)

•junho 14, 2010 • 1 Comentário

Vejo de cima os reflexos divididos em cacos assimétricos do espelho que deixei cair de minhas mãos, eu era superfície plana, linear e tinha forma. Eu era só um. Só, um eu era. Primeira pessoa do singular, e letra legível – de tanto ser, hoje tantos sou. Durante a queda em qual o espelho caía, eu me via cada vez mais em menor proporção, durante a queda eu era letra tremida. E tremida em mesma escala do chão que treme no ponto final da queda – abalo sísmico – me deixou em ruínas, fragmentou-me, eu estirado no chão em cacos, em alto relevo, refletia todos os lados, um caco refletia o outro e o que este refletia. Eu era o teto, o chão, as paredes, e a porta, o que vai e o que não vai além da porta – “sou mais aquilo que em mim não é”. Desde então eu sou dois, sou três, quatro… perco a conta de quanto somos. Diante de tantos eus espelhados e espalhados pelo chão, não sou eu o mais apto a juntar tantos mims. Não deixarei que nos juntemos como gotas de mercúrio, gosto da condição atual em que me desencontro – “por eu ter mergulhado no abismo é que estou começando a amar o abismo de que sou feito.”

Amelie,

•junho 14, 2010 • 1 Comentário

– Acredita em milagres, mocinha?

– Hoje não.

Woolf, V.

•junho 10, 2010 • Deixe um comentário

… beleza é importante; é uma herança; não pode ser ignorada, mas é uma barreira; na verdade, praticamente é um aborrecimento.